sábado, 20 de maio de 2017

Teorias da Conspiração #11

O post de Abraão vem com atraso, mas a culpa foi minha, tenho-me vindo a esquecer de o colocar. Bem, só para dizer que também acho este tema bastante divertido, e uma nota: aquele texto do comentário citado por Abraão está horrivelmente mal construído, mas tem de se ter em conta que foi tirado da secção de comentários do YouTube por isso...
Deixo-vos então com o texto, divirtam-se.
...

Tenho de rir para não chorar! 
Começo por definir o conceito Efeito Mandela. Nos Estados Unidos (se não fosse nos Estados Unidos teria de ser no Brasil…) bastantes pessoas lembram-se da morte do Mandela quando ainda estava preso. Como todos nós sabemos, isso não é verdade. O que acontece é que muitas pessoas têm uma memória que na realidade é falsa. A esse efeito chamou-se Efeito Mandela.
Até aqui, uma qualquer pessoa poderia ficar interessada e querer perceber como isto pode acontecer, como uma multidão pode ter uma memória falsa. Mas claro, o que seria de nós sem teorias da conspiração?

E é aqui que vem a piada… Deixo um vídeo:


Não vou estar a dissertar sobre o vídeo. Vê quem quiser, percebe quem perceber.
Como disse, o melhor é rir para não chorar. Isto porque qualquer pessoa com uma simples educação científica percebe todas as falhas deste género de teorias. Atenção, não me refiro a conhecimento científico, mas sim educação científica que é algo que falta a muito boa gente, inclusive a quem tem bons conhecimentos científicos.
Enfim, deixo um apelo à população: não metam a ciência ao barulho. Seja para o que for. Vai correr mal. 


Deixo apenas um comentário que encontrei:

"Did the world as we know it end in 2012 as predicted...? Have we ascended or have we been left while others moved forwards. Did we die and are we in a limbo... was it an accident or intentional manipulation by cern / other nwo parties...? The magnetic poles are in the process of flipping. Did we collide with another similar universe, if so is it because we changed the weight of an atom in the cern experiments or is it naturally occurring or the result of some end times prophecy foreseen in many religions ? Is nothing changing and everything the same but our minds have changed or been adjusted to make us believe we have memories different from reality. Who knows what they do to us with chemtrails and vaccines... maybe we aren't our old selves anymore"

(Claro que quem escreveu isto não podia ter um nome normal. Chama-se W1NTER_SOLD1ER)

Abraão Esteves

terça-feira, 16 de maio de 2017

Os velhos da paragem

Os velhos da paragem,
A conversar sobre tudo
E sobre nada,
Discutem o que quer que seja;

Os mesmos velhos da paragem,
Sempre os mesmos velhos da paragem...

Olho para o lado
E vejo um tráfico de jornais,
Daqueles gratuitos.

E um dos velhos tinha um saco enorme,
E lá dentro uma pilha desses jornais.

E o velho sorria para os outros,
E o velho cumprimentava as gentes,
E o velho brilhava.

De repente
O velho tinha-se tornado
Aquele rapazinho que se diverte
A entregar jornais.
De repente
O velho era de novo
Uma jovem criança que se
Diverte com os amigos do bairro.

E eu sentia tudo isto; simplesmente sentia.
E o sentimento era quente; como que vindo de uma estrela próxima.

Aqueles velhos na paragem
São só velhos para os olhos.
Daquelas caras aparentemente
Envelhecidas
Sinto a vida de alguém mais vivo do que eu.

Aspiro a viver tão levemente quanto aqueles
Velhos na paragem,
Enquanto os sinto; os vejo; os ouço;

E em determinados momentos,
Lembro-me que os velhos estarão sempre ali,
Na paragem,
A deslumbrarem a própria vida;

Os mesmos velhos da paragem,
Sempre os mesmos velhos da paragem...

sábado, 6 de maio de 2017

Antevisão do Festival da Eurovisão 2017

Desta vez trago-vos a já muito esperada publicação de Krill aqui no blogue. Fiquei a saber no outro dia que este nosso colaborador tem um sistema próprio de classificação e escolha de temas musicais para cada mês do ano. Ele decide, com base naquilo que gosta claro, a que ele acha ser a melhor música de cada mês. Achei muito interessante, mas claro, já sabia que o nosso Krill é um ávido ouvinte musical, por isso não me espantei assim tanto. Enfim, deixo-vos com o texto de Krill sobre a Eurovisão.

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Boa tarde, senhores e senhoras! Não importa se são amantes ou não da Eurovisão, mas deixo-vos aqui a minha antevisão sobre este maravilhoso festival.

Não sei se sabem, mas Portugal já não chega à final da Eurovisão desde 2010, na altura, Filipa Azevedo representou-nos com a sua música Dias Assim, o que nos levou a um 18º lugar. Será que Salvador Sobral, com a música Amar Pelos Dois vai conseguir quebrar o enguiço?

Ora, o nosso país irá atuar na 1ª semifinal e já fiquei a saber que o nosso representante vai ser o 9º a atuar (mais ou menos, a meio do número total de atuações, que vão ser 18).

Bem, há sempre aquela questão, devido ao facto dos países de Leste terem estado numa grande ascensão nestes últimos anos. Ultimamente, fala-se que estes países mostram uma tendência de votar nos países vizinhos, atendendo a certas atribuições de 12 pontos dos anos anteriores. Aliás, o palco deste ano será num desses países. Ainda assim, nesta 1ª semifinal, o nosso país não estará a competir com tantos dessa parte. Mas desenganem-se aqueles que pensam que isto só acontece entre esses países, também em outras zonas da Europa, desconfia-se que isto também se sucede.

Deixemo-nos destas questões, passemos agora para um cenário mais alegre. Já tenho visto uns quantos comentários no YouTube, em que a maior parte são muito positivos, muito mais do que nos anos anteriores. É claro que não estou a contar, com os comentários dos haters. Neste momento, as casas de apostas apontam que a música portuguesa é a segunda favorita a ganhar a Eurovisão, apenas atrás da música Occidentali’s Karma, que representa a Itália.

Eu sei que estes comentários não passam de expetativas e de especulações, mas penso que esta música tem qualidade, ao contrário de muitas outras, que já foram em nossa representação. Pode não ser daquele estilo de música, que costuma aparecer na Eurovisão, mas acho que é uma música diferente, sobretudo, pela transparência e emoção, que a sua mensagem nos transmite. Já ficaria contente se, pelo menos chegássemos à final, quanto ao resto, logo se vê.

Esta fase das semifinais é marcada por um grande suspense, em saber quais são os 10 países de cada semifinal, que seguem em frente. É que os apresentadores revelam os nomes dos países apurados, por ordem aleatória, o que aumenta ainda mais a emoção e o vibrar dos nossos corações. Será que desta vez vamos ter um desfecho positivo? Só no dia 9 de maio é que saberemos, se é isso, que de facto irá acontecer…


Krill Krovinović

Era uma vez uma Bic #10

Mais um post de Abraão, e tenho de dizer, nunca vi (nem li) ninguém a falar sobre uma caneta como Abraão fala das dele. É uma relação mais forte do que imaginaríamos. Apreciem.

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Era uma Bic. De tinta preta. De bico fino. E era minha. Até ao dia em que a perdi.

Sou uma pessoa bastante leal às canetas que uso. Não uso 2 canetas ao mesmo tempo. Isso é uma traição. Uso apenas uma de cada vez e só a deixo de utilizar quando a tinta da caneta acaba.

Sou também muito seletivo nas canetas que uso. Nos bons velhos tempos, usava uma Pilot… Mas eram tão caras… Sempre que passo por uma Pilot à venda ainda olho para o preço… Mas são demasiado caras… É o preço da qualidade… Foi pelo preço que comecei a usar uma Bic. Sou incapaz de usar uma caneta oferecida. Só em caso de emergência. Gosto de manter os meus escrúpulos. 

Ainda me lembro de estar a falar com um grande Mestre que conheço sobre a qualidade dos cadernos. Na opinião do Mestre, vale a pena comprar algo com qualidade. Para apreciar mais o momento de escrita. Para o momento ser mais confortável e prazeroso. Claro, isto para quem gosta de escrever. 

Tenho de dizer que não estou claro que posição haverei de tomar. Por um lado, é verdade que sabe melhor escrever com uma Pilot em vez de usar uma reles Bic. É o facto. Mas por outro lado, pelo preço da Pilot, compro mais de 6 Bic, sendo que uma Bic dura muito mais que uma Pilot. 

Até tomar um dos partidos, deixo o alerta: 

Procura-se Bic de tinta preta e bico fino. Bem estimada. Deve estar mais ou menos a meia carga. Sem recompensa monetária.

Abraão Esteves

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Uma aventura com Krill

Já vai um bocado tarde, mas finalmente vou publicar a história de Krill que tinha prometido. Afinal não vou fazer o poema, prefiro descrever por prosa o heroísmo de Krill, testemunhado não só por mim, mas também por Abraão.

Encontrámo-nos no mesmo sítio de sempre, para o ritual de sexta. Um mini concerto, de alguém a lançar-se no mundo da música; um desconhecido (neste nosso caso, desconhecida). Estivemos atentos ao concerto; eu a tentar ouvir a guitarra e a desejar que o som estivesse mais sobressaído em relação aos outros instrumentos, especialmente a bateria (devia ser da posição onde estava, mas o som da bateria esteve sempre demasiado presente durante o espetáculo); os pequenos solos não se percebiam nitidamente, mas isso agora não interessa. Krill revelou-se interessado nas letras, música e no espetáculo em geral, isto é, mais interessado do que o costume. Quando acabou a última canção ficámos por ali a trocar impressões enquanto a vocalista e o resto da banda falavam com fãs (ou amigos, ou família, ou o que quer que fossem) e Krill, notámos nós, agia de forma algo estranha; não parecia querer tirar os olhos de cima da vocalista. Ora, um comportamento como este não pôde ficar despercebido, e rapidamente percebemos que Krill queria talvez falar com a rapariga. Depois de umas quantas palavras de encorajamento da nossa parte lá fomos com ele falar com a vocalista; uma rapariga da nossa idade, muito descontraída. E o nosso herói, cheio de confiança e ânimo, trocou algumas palavras com ela; Eu ofereci-me para tirar uma foto aos dois, à líder da banda e ao seu novo fã. É de reparar que ela era muito atraente e interessante, o que só tornava a coisa mais intimidante para o nosso herói, mas sem nunca o afastar da sua demanda. Com a sensação de missão cumprida lá vimos a banda a ir embora, talvez para uma afterparty. Krill ainda ficou na dúvida se levava o disco, mas acabou por não levar, apesar de ter achado sem dúvida muito interessante o estilo musical. Sim, Krill é alguém muito seletivo no que toca a compras de obras musicais; é preciso mais do que uma cara bonita e músicas interessantes para este nosso amigo se comprometer de tal forma para com uma banda. Mas pronto, fica aqui para a posteridade o feito de Krill. Até uma próxima.

domingo, 30 de abril de 2017

Sobre Comédia #9

Aqui está mais um post de Abraão, desta vez sobre comédia. Tema decerto controverso, e que dá azo a bastante discussão, mas que, em última análise, depende sempre do gosto e humor da pessoa.

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Sou muito seletivo quanto à comédia. Só gosto de comédia a sério. Vá, também gosto das minhas piadas… Até já as aponto para um dia mais tarde me voltar a rir quando as reler. Mas voltando à comédia. Não é um pseudo-comediante que mais não faz do que reciclar piadas que me irá fazer rir. Não vou estar aqui a dizer nomes, até porque seria uma longa lista de quase todos os «comediantes». 



Não digo que essas pessoas não digam alguma piada de vez em quando. Eles dizem tanta coisa que acaba por sair algo decente «quando o rei faz anos». É estatístico. É também triste ver como alguns precisam de fazer as piadas fáceis e óbvias para fazerem rir. Piadas sexuais, piadas com famosos, piadas de cariz fecal… É natural fazer comédia com estes temas, pois fazem parte da nossa vida. Mas sem exageros… Um verdadeiro comediante vê-se pela capacidade de saber dizer o que mais ninguém foi capaz de magicar. Pela capacidade de fugir ao rotineiro e ao caminho percorrido por todos. Por outras palavras, um verdadeiro comediante é o artista. O que separa um comediante de um pseudo-comediante é o mesmo que separa um artista de um pseudo-artista.

Deixo dois links de vídeos de dois verdadeiros comediantes:

Para futuras pesquisas:

Abraão Esteves

sábado, 29 de abril de 2017

O Guitarrista - Episódio 2

Finalmente resolvi trazer-vos o segundo episódio desta série. Como tinha dito no primeiro episódio, o principal objetivo é dar-vos a conhecer obras contemporâneas de guitarra clássica, e, por consequência, dar também a conhecer os compositores das mesmas.

A ideia original era apresentar uma obra por episódio, mas neste trago-vos 3 peças, até porque acho que as músicas estão relacionadas entre si. São todas do mesmo compositor, chamado Dušan Bogdanović, nascido na (já não existente) Jugoslávia, e que compõe, não só para guitarra, mas também para diversos instrumentos, sendo que algumas composições são para guitarra acompanhada por algum outro instrumento. Grande parte da obra deste compositor incorpora motivos e ritmos da sua terra natal, a região dos Bálcãs, assim como elementos jazzísticos e clássicos. É, no fundo, música de fusão, muito própria do compositor, e algo que eu não tenho conseguido encontrar em mais peças de outros músicos. Pode ser difícil de ouvir para alguém que não está habituado, porque ele usa (e, às vezes, abusa) do contraponto e do polirrítmico. São músicas muito trabalhadas e muito divertidas de seguir em conjunto com as partituras.

As peças são "Jazz Sonatina" (3 movimentos), "Monk-a-Ning" e "Steps to Hell and Back". As duas últimas estão no mesmo vídeo, interpretadas por Thibault Cauvin (um instrumentista e também compositor francês, em que grande parte do repertório que toca, de peças de outros compositores, são músicas contemporâneas (jazz, música étnica, rock) e onde se incluem várias peças de Roland Dyens, o compositor sobre quem falei no primeiro episódio desta série). São, as 3 peças, composições predominantemente de jazz, sendo que na primeira ("Jazz Sonatina") consegue-se identificar elemento étnicos, muito presentes na obra do compositor. Essa primeira é um vídeo com as partituras e o áudio sincronizados para podermos seguir a música à medida que vamos lendo as pautas. As outras duas são pequenas peças praticamente de puro jazz. O título da segunda, "Monk-a-Ning", é uma referência à música "Ryhthm a Ning" do grande pianista Thelonious Monk, e se alguém tiver curiosidade de ouvir basta clicar no nome da peça.

Aconselho, claro, a ouvirem mais peças do Bogdanović, e a tentarem tocá-las (para aqueles que tocam o instrumento). Eu comecei a ler a "Jazz Sonatina" e a tentar tocá-la há uns tempos mas não a cheguei a concluir. São todas peças muito exigentes a nível técnico, mas a "Monk-a-Ning" toco-a toda, e sentimos sempre um enorme sentimento de sucesso quando dominamos este tipo de peças. Bem, divirtam-se então a ouvi-las e a procurarem mais. Até ao próximo episódio guitarrístico (vou tentar que seja mais regular, mas mais uma vez, sem promessas).

O Regresso

Antes de mais queria pedir desculpa aos nossos leitores (que não devem ser muitos) pela interrupção dos posts. Queria só mesmo dizer que estamos de volta para apresentar mais conteúdos de qualidade (ou não...) e que daqui a bocado vou publicar o segundo episódio guitarrístico. Também já tenho o texto de Abraão, que vou publicar também ainda hoje. Krill também me garantiu que me há-de enviar um outro texto dele.
E por falar em Krill, ontem estive com ele e com Abraão a ouvir um mini concerto, e presenciei um momento épico protagonizado por Krill que merece ser contado no mesmo tom, pelo que estou a pensar fazer ou um poema ou um texto de propósito sobre a situação (provavelmente vai ser um poema). Talvez ainda hoje o publique, fiquem à espera.

sábado, 15 de abril de 2017

Mais um filme de aliens #8

O texto de Abraão Esteves desta semana é uma crítica ao filme "Vida Inteligente" ("Life", título em inglês) e onde ele aproveita também para mandar uma boca ao DiCaprio devido ao filme que lhe deu o Óscar o ano passado. Aproveitem que não é todos os dias que temos cá críticas cinéfilas.

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Depois de tantos anos de criações artísticas e «artísticas», compreendo a enorme dificuldade que exista em criar coisas novas. Não deve ser nada fácil conseguir pensar, por exemplo, num guião para um novo filme sem haver, seja o que for, que não tenha sido já feito. Compreendo perfeitamente isso. Mas o filme «Vida Inteligente» é um exagero…
Sem ver o filme, já estava a pensar: eles encontram um bicho novo, o bicho vai querer comê-los e no fim vamos ficar todos condenados. E, com mais um ou outro pormenor, é assim que se resume o filme. Não foi criado nada de novo, não foi apresentado nada num formato mais interessante, não foi nada projetado de uma forma inovadora. Nada. É apenas uma versão menos interessante do «Alien»… Vá, tem um extra: usam dois tipos de lágrimas. Num dos tipos, sem gravidade, a gota segregada pela glândula lacrimal sai do olho para andar ali às voltas pela nave. Um outro tipo, sem gravidade, a gota escorre pela cara. Isto é que foi uma cena inesperada. Enfim, só tirava do filme as cenas que eram suposto serem as cenas mais «artísticas» e que não passaram de um clichê mal produzido, ou seja, quase tudo…

Já estou a imaginar. Daqui a 10 anos um filme a sair que vai ser uma versão mais desinteressante ainda que o «Revenant». Vai-se chamar «O Homem com Raiva». O ator que vai ficar com o papel principal vai passar 1h numa floresta aos berros. Vai gritar tanto, gemer tanto, fazer tantas caretas, que no fim vai parir um bebé. Daqui a 20 anos, vai ser «O indivíduo que gritava com a floresta». Vai ser a história de um homem que pensava que o sentido da vida era gritar. Para ser diferente, neste vai dar à luz um cão, que vai passar a ser o seu companheiro. No fim o cão morre só para as pessoas chorarem. Fim.

Abraão Esteves

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Pensamentos de um alguém

Sinto algo a emergir no espírito,
Algo tão leve
E misterioso.
Não reconheço este éter invasivo,
Energia fugaz
E turva.
Mas espera, a tépida sensação
Parece querer falar-me, discutir
E explicar a sua natureza.
Hesito, não sei o que esperar,
Algo que não consigo qualificar,
Algo não tangente, algo etéreo,
A querer falar comigo?
Como tal poderá ser possível?,
Pergunto-me.
Ela não fala como nós humanos,
Mas eu percebo-te na mesma,
Ele conta agora um mundo imaginário,
Cheio de maravilhas e dá ideia de ser isso mesmo,
Um imaginário utópico.
Duvido dele. Duvido dela.
O puro ser assegura-me de que é o caso,
Sem corpos nem limites materiais a bloquear
O nosso potencial, foi possível, diz ela,
Elevar o espírito sem restrições a um plano,
Digamos, celestial, isto é, o mais elevado.
Conta-me ele que foi um ser igual a mim,
Limitado materialmente pelo tangível,
Pelo quantitativo.
Ela ainda me conta acerca da eternidade do ser,
Criada pelas relações com outros espíritos.
Sim, diz ele, só com as relações entre seres podemos
Ser verdadeiramente livres, isto é, libertos da dimensão temporal.
O eterno nada é mais do que o prolongamento da memória,
Memória essa que tem de ser a coletiva, não a individual,
O indivíduo não é nada sem o outro, sem a relação com aquele
Que vive o seu tempo com ele.
Como te livraste das correntes então, tu que és um ser mágico?
De mágica nada tenho, diz-me ele,
Sou irreal para ti, mas não sou ilusão,
Garanto-te.
Quanto à tua pergunta tenho a dizer que não te posso ajudar, diz-me ela.
A voz fica cada vez mais frouxa com cada palavra não dita,
Pois eu não ouço a voz, mas sinto-a e percebo-a.
Como?, não sei.
As palavras quase que ecoam na mente, esmorecem.
Sinto-a a ir-se embora, mas eu não quero que fujas.
Mas tu és livre, mais livre do que eu aparentemente.
Mais livre que a natureza talvez, ou talvez sejas a personificação da
Natureza. Sim, aquilo que me disseste das relações, não há sítio terrestre
Onde encontremos mais relações do que na natureza. Ela é livre,
Assim como tu és livre.
Mas não faço eu parte da natureza? Se calhar não.
Talvez um dia tenha feito, porque houve uma altura em que me senti livre.
Fui secretamente expulso da natureza, não sou mais parte integrante desse
Imaginário utópico onde reina a liberdade.
É essa a questão? Deve ser essa a questão.
Como voltar para a natureza, só pode ser isso de que a voz falava,
Sim estou certo que sim. Mas não vale a pena, agora estou preso no mundo,
Acorrentado à vida. Espera, talvez seja isso! A morte!
Sim, a morte é a chave deste calabouço.
Não vale a pena ter medo, pois a morte faz parte da natureza, é a dualidade vida e morte
Que dá, talvez, possivelmente, sentido à existência. Um dos dois não tem significado, se      o outro
Não existir.
A vida justifica a morte, e a morte justifica a vida. Um é o outro, e vice-versa.
É isso que define o ciclo eterno existente na natureza. Para vivermos temos inevitavelmente de morrer, e para morrermos temos indiscutivelmente de viver.
Mas já não sei que pensar, a entidade desorientou-me de tal maneira que me deixou a pensar em coisas destas.
Não se faz.
Se ela me vier chatear de novo já lhe digo.

sábado, 8 de abril de 2017

Uma dedada #7

Chega-nos mais uma publicação de Abraão Esteves, um texto curto mas algo muito à Abraão. (Disclaimer: a palavra "escravamente", que se encontra na publicação, parece que não existe na nossa língua, mas Abraão fez questão de me dizer para não alterar, ele escreveu-a mesmo de propósito.)

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Esta manhã, estava eu a colocar os meus óculos escuros antes de sair de casa, quando aconteceu algo que eu não previa: toquei com um dedo numa das lentes. Bem, eu não percebo nada do assunto, mas, por alguma razão, é-me difícil tirar a marca dos dedos das lentes daqueles óculos… Por isso o meu primeiro pensamento, após esse incidente, foi: o pior que me pode acontecer é sujar as lentes dos meus óculos escuros… Há pouco tempo houve um atentado na Rússia. Também houve um em Inglaterra. Há um país que está a sofrer devido a umas cheias, sendo que ainda haverá de chover mais. Imensa gente está a morrer devido à fome. Outras pessoas estão a morrer por não terem acesso a água potável. Outras, estão a trabalhar escravamente para produzirem o chocolate que comemos. Alguns haverão de estar na prisão a sofrer pela falta de liberdade de expressão. Também haverá quem não esteja a conseguir dormir por não saber como irá alimentar os filhos até ao final do mês. Alguns haverão de estar à espera de um milagre para que se curem das suas doenças incuráveis. Mas não se preocupem. Apesar de ter tocado na lente, não ficou marca nenhuma. Pude sair de casa e ir para a faculdade em paz.

Abraão Esteves

quinta-feira, 6 de abril de 2017

A comédia de Kafka

Achei imensa piada ao ler hoje um ensaio de David Foster Wallace sobre o escritor Franz Kafka, publicado numa revista americana em 1998, onde ele conta a grande dificuldade que tem em explicar a alunos universitários o pormenor cómico-humorístico dos textos de Kafka, em especial os contos e short-storys. (Eu só li "A Metamorfose" de Kafka, mas agora fiquei com vontade de ler mais contos dele, já queria ter lido outros livros, como "O Processo", porque a ideia do absurdo na escrita de Kafka atrai-me bastante, e agora com esta nova perspetiva que Wallace nos dá a vontade cresceu ainda mais).

Wallace retrata Kafka como um escritor que exibe um tipo de humor nos seus textos que os alunos não reconhecem como tal, pois não se encaixa nos trocadilhos de palavras ou piadas rápidas (wisecracks) ou humor que recorre a funções corporais nem cenas de teor sexual ou com implicações sexuais nem usa personagens ocas estandardizadas (clichês) prontas para serem ridicularizadas, pelo contrário, as figuras são absurdas, assustadoras e tristes. Ele desenvolve mais sobre o tema no ensaio, passando também por nos dar uma visão de como é que nós vemos o humor, a forma como para acharmos piada a algo temos de encontrar algum sentido ou "perceber" a piada.

Um excerto do ensaio: "No wonder they cannot appreciate the really central Kafka joke - that the horrific struggle to establish a human self results in a self whose humanity is inseparable from that horrific struggle."

Achei essa parte muito interessante, parece-me que descreve bastante bem a nossa condição de vida. Mas voltando à tentativa de explorar os textos de Kafka com alunos universitários, Wallace diz que começa por lhes fazer ver que a graça ou "engraçadez" (funniness... como a língua inglesa dá para criar tanta palavra bastando juntar um sufixo qualquer; é tão livre e fluida, e depois tentamos passar para o português e dá naquilo...)  está na "literalização" de verdades que tratamos por metáforas, ou, comédia por metáforas literais. (Às vezes gostava de ter aulas de literatura numa faculdade de letras). E Wallace diz que nesta altura eles começam a ficar mais engajados no assunto, mas que este tipo de estratégia não chega para lhes fazer ver ou sentir a grande centralidade da comédia de Kafka. Enfim, achei este ensaio deveras interessante, leiam-no, não é muito comprido e lê-se bem. E as notas (tão típicas do autor) são pedaços de texto realmente muito bons, é incrível como ele as usa para escrever coisas tão relevantes e cheias de significado. E não são só relevantes e significativas, podem ser também muito engraçadas (muito à maneira de Kafka talvez), como por exemplo numa parte em que ele identifica a ironia que Kafka sentiria se soubesse que os seus textos estivessem a ser altamente escrutinados e analisados pela grande máquina crítica literária do mundo intelectual universitário, que seria o equivalente a destruir as pétalas de uma rosa e analisar a mistura num espetrómetro para determinar o porquê dela cheirar tão bem, e depois complementa numa nota que uma teoria à estudante literário de mestrado ou doutoramento poderia ser a tese de que o aroma da rosa é simplesmente uma ilusão imaginada por nós. Caso para reafirmar, adorava passar uma temporada numa faculdade de letras, deve ser tão divertido.

Deixo-vos aqui o ensaio, divirtam-se: "Laughing with Kafka"

sexta-feira, 31 de março de 2017

Sobre a Religião #6

O texto desta semana assinado por Abraão Esteves aborda um dos tópicos que mais inflama o autor, e tenho a certeza de que será tema recorrente desta rubrica. Muito se diverte Abraão nas conversas que tem comigo ou com Krill, ou com outra pessoa qualquer, sobre este tema, por isso é só para avisar de que é provável que venham a aparecer mais posts sobre isto. (E não, para blogues comunistas não envio ninguém, nem mesmo o Abraão; (nada contra blogues comunistas ☭)).

...

Se há área filosófico-político-económica que me interessa, é a religião. É-me fascinante ver todo o engenho que existe para conseguir manter um sistema religioso ativo. Todo o marketing, toda a propaganda, toda uma adaptação da verdade absoluta e inquestionável que uma religião tem de pôr em prática para se poder manter no mercado. Absolutamente fascinante.

Todo o esforço hercúleo necessário para fechar a mente dos «crentes», todo o esforço para conseguir pôr os «crentes» a afirmarem que acreditam em verdades que, na verdade, não acreditam, não por estarem contra, mas por nem as conhecerem.

Tudo isto me fascina pelo lado negativo, pelo lado mais negativo que possa existir. No outro dia ouvi uma freira na Síria afirmar que deus, ou «Deus», não nos dá uma cruz que não possamos carregar. Já mais serei capaz de pôr por palavras o perigo e a maldade diabólica que está por detrás de uma afirmação destas.

Enfim, vou tentando compreender os possíveis com os «religiosos» que conheço. É estranho que por vezes, nessas conversas, em vez de descobrir mais sobre a fé, descubro mais sobre os mecanismos e as consequências da religião.

Como dizia no outro dia ao nosso Camarada Krill Krovinović, um cientista pode, na minha inocente forma de ver o mundo, ter a fé que quiser. O problema é quando mistura a ciência com a religião. Esta mistura nunca funciona bem. Para nenhum dos lados.

Mas este é apenas um lado do problema. Ou melhor, apenas uma das consequências. Uma consequência mais geral é envolver os outros dos dogmas, que mais não são do que os pilares de todas as religiões e políticas.

Bem, e por hoje não falo mais de religião que o Kinch ainda me manda para outro blog qualquer. E o problema é se me manda para um blog comunista…

Abraão Esteves

quarta-feira, 29 de março de 2017

A Dança

Que tranquilidade me dão os vossos cabelos,
A dançar perante mim,
Uma dança sem fim.

A dança serena enche-me a mente de algo leve,
Despida de simbolismo,
De rítmico niilismo.

Aqui tudo é real, tão tangível, mas inalcançável,
Nem quero alcançar,
Quero só olhar.

De aparência tão jovem e saudável os protagonistas
Interpretam a peça,
Antes que desfaleça.

Mas é então
Que a palavra
Não,
Vem e lavra
A calmaria da dança.

O meu olhar
Encontra de imediato
Um branco cabelo a ilhar-
-Se do resto com grande hiato.

É tudo o que vejo,
Não consigo apreciar a dança agora,
A então estrutura perfeita cai no solo,
Ou melhor, tropeça pelas imperfeições do ser.

Ah quão cego fui!
Não existe a dança serena,
Não quero mais procurá-la,
Não posso ver mais os cabelos brancos envelhecidos,

O Não apoderou-se do meu corpo e mente!
Não consigo imaginar como era a minha vida antes,
Não consigo deixar de dizer não,
Não te quero aqui Não!
Não te vais embora?

Não.

terça-feira, 28 de março de 2017

Um excerto de um manifesto do século XXI

É com muito gosto que hoje vos apresento o meu amigo e novo colaborador, Krill Krovinović. Não será um colaborador regular, mas sim alguém que de forma esporádica nos poderá trazer os seus textos. O primeiro que nos apresenta neste post é um manifesto para o século XXI (não confundir com o manifesto de Abraão Esteves, há uns dias atrás, que era um manifesto contra um manifesto do século XXI, manifesto esse que nada tem que ver com o de Krill Krovinović), uma forma de ver o mundo contemporâneo e onde marca uma posição para a maneira como, na sua visão, deveríamos de estar neste mundo contemporâneo e contribuir para o mesmo.

...

            Nós, seres vulneráveis, para podermos encarar os desafios que temos de enfrentar nos tempos atuais, somos convidados a sermos plurais e solidários, num mundo cada vez mais insustentável.

          Só através de um espírito de união e de sacrifício é que podemos evitar sermos dominados!!

          Já chega de nos dividirmos – porque nos leva para um caminho cheio de precipícios e de armadilhas!!

          Além de respeitarmos o que nos distingue, acima de tudo, haver igualdade para todos!!

          O mundo fica são e próspero, se todos nós tivermos as mesmas condições de vida e os mesmos acessos!!

          Precisamos de uma vida sem imposições, de resolver todas as injustiças que chagam o mundo, pois isso apenas contribui para a desigualdade e para a perda da nossa liberdade.

          Tudo isto só nos leva a um único caminho – aceitar e correr os riscos necessários, de modo a termos o Mundo melhor!!


Krill Krovinović

O sonho

Hoje sonhei que a minha vida era um sonho, e que dentro do sonho eu sonhava em viver a minha vida. Qual vida?, perguntei ao meu eu do sonho, ou melhor, a mim próprio. Eu nada respondi, ou melhor, o outro do sonho nada respondeu. Voltei a perguntar, Diz-me qual é a vida com que sonhas viver, tu, que és eu, porque eu não vejo que vida levas, ou melhor, levo eu. Se não sabes que vida levas, responde o outro que sou eu, atenta em mim, Atento em ti?, mas eu sou tu, ou não? Nós somos o que imaginamos ser, pelo menos aqui, no mundo dos sonhos, eu nada mais sou do que um pensamento inconsciente. Então como é que eu sei que sou o eu verdadeiro?, pergunto eu ao outro eu, Qual eu verdadeiro se nem me sabes dizer nada sobre a tua vida? Quando és tu que me perguntas que vida levas? Não serei eu, aquele que dizes ser o outro eu, um eu mais distante para ti, o verdadeiro eu?, responde o outro desafiante. Eu nada digo, aterrorizado.
Estarei num pesadelo, é certo, penso para mim. O outro olha-me como se visse os meus pensamentos. E vejo, ou melhor, ouço-os, pois eu sou tu, e tu és eu, diz-me ele de repente. Escusas de tentar fugir, aqui somos todos iguais, eu estou em ti, e tu em mim, de nada vale acordares pois não tens vida para a qual acordar. Eu serei a tua vida daqui para a frente, nós, eu, tu, e os outros eus, nós criaremos vida em ti, em nós, e depois acordaremos, depois de sonharmos a tua vida, a nossa vida, aquela que tu, um dia, disseste ser um sonho.

sábado, 25 de março de 2017

Mais uma aula #5

Aqui está mais um texto de Abraão Esteves. Este é na verdade uma espécie de revista de uma aula sobre coisas. Posso confirmar que a aula em questão foi, de facto, muito chata.

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E foi assim, que tive a minha terceira aula de Literatura Geométrica Sustenida. É uma cadeira muito interessante que faz parte de um bloco de cadeiras opcionais para vários cursos, entre eles, obviamente, o meu – Mestrado Integrado em Engenharia Filosófica no ramo de Político-economia Cristã.
A primeira aula serviu para dizer que a cadeira tem professores e que esses professores efetivamente – dizem eles – existem. O normal. Na segunda aula já começámos a sério. Infelizmente, e a professora em questão sabe-o, a maioria dos alunos desta cadeira (maioria da qual me excluo) tem problemas com a teoria das equações diferenciais parciais que explicam as cores. Por isso, vai evitar falar de cores. Parece-me estranho, quando o primeiro tópico da cadeira é o Cubismo retratado por Picasso…
Apesar dessas dificuldades, era necessário rever as cores. Mas a professora deu-nos a sua palavra de honra de que daria apenas o essencial. Pareceu-me, já nessa aula, que as minhas espectativas sobre a cadeira talvez não fossem as mais realistas. Quando a professora mostrou o quadro «La vida» (do Período Azul, essencial para perceber o Cubismo) e perguntou, nesta cadeira de mestrado, quantas pernas tem a mulher nua, percebi que muitos dos meus colegas não souberam responder. Passámos quase toda a aula com a professora a explicar como identificar as pernas. Falámos de tudo. Até de batatas. Enfim, foi uma aula para rever as cores e para rever o meu conceito de alunos de ensino superior. Uma mais-valia.
Nesta aula, infelizmente, a professora não conseguiu levar o seu modelo de pernas feitas com batatas. Mas isso não a impediu de passar quase toda a aula a rever a aula anterior, que foi passada a fazer revisões. Quando, finalmente, começou a falar dos braços e da cabeça, foi um desastre. Ninguém soube responder quantas bocas tinha a dita rapariga nua. Eu, claro, não respondo. Sinto que essas perguntas são um insulto. Eu podia ter pensado o mesmo dos meus colegas, não fossem eles colocarem dúvidas sobre o assunto. O Kinch (que só os deuses sabem porque também escolheu esta cadeira opcional para vários cursos), claro, com o portátil desnecessariamente ligado à sua frente, estava no telemóvel. Estando desatento ainda me perguntou como se identificava a boca da dita.
Lá expliquei que a boca é o instrumento que se utiliza para mandar os professores à merda. Não tendo ficado claro, acrescentei que também é usado para mandar os colegas à merda. Estando praticamente esclarecido, acrescentei apenas que também é usado para mandar presidentes de departamento à merda. Ficou totalmente esclarecido. Lá voltou para as suas práticas subredditianas.
Passei o resto da aula com dúvidas sobre se sou apenas eu e o Kinch que temos uma velocidade ligeiramente superior para aprender noções básicas, ou se é a professora que não sabe mandar à merda. Acredito que esta última hipótese esteja mais correta.

E foi assim que foi a terceira aula. Talvez, no decorrer do semestre, a professora doutora Susana Dias aprenda a mandar à merda.  Continuaremos assim, no Departamento de Ciências Existenciais, da Universidade Estou-me-a-lixar-para-os-alunos, da Faculdade Mas-com-carinho.

Abraão Esteves

quinta-feira, 16 de março de 2017

Manifesto contra o Manifesto do Século XXI #4

Chegou a altura de mais um texto de Abraão Esteves. (Sim, Abraão resolveu dar-nos um apelido, mas descansem que o colaborador é, no essencial, o mesmo de sempre). Este quarto post de Abraão Esteves vem em forma de manifesto, manifestando-se amplamente contra o mundo corrente, garante-me este nosso colaborador. Se ficarem agitados com o texto é porque fez efeito.

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Dirijo-me a vós, vítimas do século XXI!
Dirijo-me a vós, vítimas da política desumana como só o Homem o pode ser!
Dirijo-me a vós, vítimas dessa pedagogia em atraso desde a existência!
Dirijo-me a vós, obrigados, seja pela Vida, seja pela Sociedade, a fazer o pino!
Dirijo-me a vós, vítimas do Mundo!
Dirijo-me a vós, sonhadores da liberdade!
Dirijo-me a vós, criadores da ânsia do futuro presente a ser passado!
A vós, que, de mil formas de exigirem a autolibertação da liberdade, viveis a pior!
A vós, que quereis contruir a Torre de Babel sem aprender a ser tijolo!
A vós, que sois istos, ores, sexual, anos e tudo de ismos e de rotulismos!
A vós, que rotulais rótulos de bons e maus sem perceber que quem rotula são rotuladores!
Olhai-vos ao espelho! Olhai para vós!
Quantos cabelos brancos não escondeis?
Quantos desses cabelos brancos não vos causastes?
Quantas rugas não disfarçais com cremes fit-to-all?
Quantas dessas rugas não são risos das desgraças do tu, que mais não são do eu?
Porque ambicionas ter o olhar sem brilho?
Não percebestes a diferença entre a cenoura que a mãezinha diz que faz bem aos olhos e a cenoura que os outros, que não são mais do que vós, vos abanam?
Não sejais ridículos!
Se as batatas simbólicas são caras, não sejais comunistas da libertação da liberdade e pegai numa enxada para plantar as batatas dos vossos simbolismos!
Já dizia o irmão do Mestre que a liberdade não é para quem a sonha, mas para aqueles que a constroem!
Gritar não é cantar!
Escrever não é ser lido!
Manifestar não é agir!
A escola educa barreiras? Sim!
A política decreta barreiras? Sim!
A sociedade partilha barreiras? Sim!
E tu? Não educas barreiras? Não decretas barreiras? Não partilhas barreiras?
Olhai-vos de novo ao espelho! Olhai para as vossas chagas!
Gritai mais do que a garganta para que vos consigais ouvir: quantas chagas não fostes vós quem criou?
Quantas das mutilações não foram autoinfligidas para que caibais no quadrado que ambicionais ser?
Viver na liberdade sem pensar em liberdade, é uma ilusão religiosamente crida!
Viver na não-liberdade, é viver num mundo ainda por construir!
Pensar sem liberdade, é não querer construir um mundo livre!
A liberdade não se exige! Constrói-se! E essa construção não se compra, mas paga-se caro!
Mas essa construção não irá acontecer enquanto o culpado for o outro!
Que distinção existe entre vós e eu? Entre vós e o outro? Entre vós e a sociedade?
Nada em mim é mais do que vós! Nada em vós é mais do que eu! Se eu sou culpado, vós também o sois! Se os outros são culpados, nós também o somos!
Enquanto isto não for evidente, podeis ir guardar o vosso rebanho, ou ser guardado no rebanho do outro.
E eu irei convosco.
E todos seremos tijolos na barreira que nos autoimpomos. Na barreira que existe porque queremos, na única barreira que arduamente construímos.
Quando vós perceberdes que quem escreve é quem lê, então seremos tijolos da liberdade, argamassa da memória e aço do futuro!
Até lá, nunca vos esqueçais que a resposta certa é a B.

Abraão Esteves

terça-feira, 14 de março de 2017

Momento Bélico - Episódios do dia-a-dia

'Estamos a precisar de uma 3ª Guerra Mundial', diz ela com uma expressão inalterável. Acho engraçado; dou um pequeno sorriso. Ela continua, 'Se repararem, sempre que há alguma guerra, nos anos seguintes existem grandes avanços tecnológicos'; que período fértil, aquele após a guerra. 'Deve ser para manter o equilíbrio, perde-se ali, ganha-se acolá', ouço alguém dizer. Tudo tão divertido e descontraído que perco a atenção à voz dela; apanho uns segundos mais tarde, 'Por isso é que os americanos andam sempre a fazer alguma guerra num sítio qualquer'; parece-me que esta aula de eletrónica está a ficar mais interessante do que pensava. Mas com aquele último comentário ela avança para a frente*. Logo agora que estava a ir tão bem. "A guerra como catalisador científico e elemento capaz da inovação" penso eu para um título acerca desta divagação; Imagino ela continuar o assunto numa palestra qualquer; imagino os argumentos que nos iria apresentar 'Há inúmeros exemplos de desbravamento no campo da ciência devido a investigação conduzida no tempo da [inserir nome da guerra]. Refiro-vos [este], [este] e [este], mas poderia referir muitos mais', e seguia até ir ter à ideia 'da guerra contínua praticada por alguns povos, nomeadamente os norte americanos, pois conduz a um estado de pleno desenvolvimento, espaço fértil e muito reativo, de produção de ideias e investigação científica' onde imagino também umas quantas metáforas e comparações de elevado espírito, quase em jeito de poeta, 'sim, podem pensar naquele famoso ditado, o que não mata engorda'; bem, talvez não tanto poética mas de certeza muito mais engraçada; a audiência ria-se com a graça tão espirituosa, tão instantânea. O teatro mental acaba, a eletrónica chama por mim; pode ser que ela tenha mais desvarios destes na próxima semana, penso eu em tom esperançoso.

*pleonasmo propositado para Abraão

domingo, 12 de março de 2017

Anna Magdalena, compositora (?)

Vi há uns dias um documentário que passou na RTP2 com o título "A música da Sra. Bach", que dá a conhecer a hipótese de Anna Magdalena, a segunda mulher de Johann Sebastian Bach (o conhecido compositor), ter composto peças atribuídas ao marido. A confirmar-se a verdade da tese (o que me parece que seja, à luz das provas e argumentos explicitados no documentário), podemos desde logo imaginar quantas mais mulheres se mantiveram na sombra dos maridos, isto é, na sombra do homem. É claro que se formos procurar encontramos várias compositoras ao longo dos tempos, mas em muito menos quantidade que homens e tenho a certeza que é rara a pessoa que conheça alguma delas, ou obras das mesmas. Pelo contrário, quase toda a gente consegue nomear pelo menos um compositor masculino, sendo um dos mais famosos Bach.
Parece-me que hoje em dia já não se colocam questões de inferioridade intelectual entre géneros (ou, pelo menos, pessoas decentes não as colocam), mas a história mostra, e ainda atualmente acontece, que as mulheres sempre foram o género mais desprivilegiado dos dois, isto é, sempre tiveram menos direitos e menos consideração por parte da sociedade na maioria dos aspectos de ordem intelectual. É realmente injusto que tal aconteça, mas já é bom haver pessoas que tentem quebrar estes pensamentos e, acima de tudo, ações que se tentam perpetuar na sociedade atual.
Como comecei por falar de mulheres compositoras com o documentário de Anna Magdalena, decidi colocar aqui uns vídeos de composições musicais de compositoras recentes. Este primeiro, "An Ocean Beyond Earth", é de Liza Lim, uma compositora australiana. Achei muito interessante e, para mim, uma novidade a maneira como se toca esta peça. É uma composição para violoncelista, mas onde se usa também um violino e fios que passam pelo mesmo e que a solista manuseia como se de uma marioneta se tratasse. 
O outro vídeo que queria partilhar é parte de uma conferência que aconteceu relativamente recentemente em Zurique, onde participou uma jovem (quando digo jovem digo 11/12 anos) compositora em que fala um pouco sobre si. É realmente interessante pois ela só tem, como disse, cerca de 12 anos, e compõe desde os 5 anos de idade, penso eu. É provavelmente a compositora mais jovem e mais recente dos nossos tempos, para além de ser incrivelmente proficiente tanto no violino como no piano. Encorajo a descobrirem mais sobre ela, mas por agora deixo-vos este pequeno exemplo, da rapariga de nome Alma Deutscher.
Por fim deixo aqui o link do documentário referido no início, "A Música da Sra. Bach".

sexta-feira, 10 de março de 2017

Artistas? #3

Terceira publicação de Abraão, que hoje nos traz um tópico algo controverso. Sinto que, depois de ter lido o texto e ter discutido o tema com Abraão, merece um desenvolvimento mais significativo aqui no blogue. Eu devo escrever um comentário acerca do tópico para talvez dar uma outra perspectiva, mas entretanto deliciem-se com a Rubrica Semanal assinada por Abraão.

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Vamos então aqui falar de um assunto que ninguém fala. Eu também não irei falar sobre este tema, apenas vou escrever. Mas vocês podem imaginar um diálogo. Bem, não vamos falar de arte. Há demasiadas coisas escritas sobre arte. Ou pelo menos assim o imagino, uma vez que não leio nada sobre isso. Vamos sim falar de artistas!
Não, ainda não é desta que vamos revelar esse lado do Kinch. Ainda não é desta que passamos a ter uma tertúlia cor de rosa a 100 metros do cemitério. Vamos então falar de como os artistas não o são.
Sejamos sinceros, apresentar-nos a alguém dizendo que somos artistas, impressiona qualquer um. Bem, não é o mesmo que dizer que somos Engenheiros ou Filósofos, todos reconhecem este facto. Mas, ainda assim, tem o seu estilo, temos de admitir. Agora, que critérios existem para classificar alguém como artista? Basta um qualquer adolescente de 20 anos reprimido pela sociedade dizer que é artista para de facto o ser? Basta alguém com mais de duas cores no cabelo dizer que é artista para o ser? Segundo a nossa sociedade, sim. Mas não a tomemos como exemplo, pelos motivos óbvios.
Hoje em dia, um indivíduo qualquer que saiba desenhar, e o faça com frequência, apelida-se de artista. Autoapelida-se de artista. Os pais, em vez de corrigirem esse desvio comportamental, nada fazem… Enfim, mas sobre esses não há nada a fazer… Voltando ao indivíduo. Eh pá, não sejas estúpido… Saber desenhar implica sermos artistas como saber escrever o abc implica sermos escritores.
Se calhar o indivíduo até é artista. Não sei, não o conheço de lado algum. Mas afirmar tal facto por saber desenhar, é o mesmo que o Kinch nos chamar escritores só porque escrevemos num blog. É pura ilusão…
Qual é o problema desta ilusão? O facto de nos autoapelidarmos de artistas só por sabermos fazer alguma coisa de jeito, serve apenas para vivermos numa bolha psicológica que nos vai proteger do mundo, teoricamente. Na prática, é uma bolha que nos vais separar da realidade. Duvidam? Digam a um «artista» que não o é, e depois digam como reagiu… Se não quiserem ser tão «agressivos», perguntem só porque se apelidam de artistas. Desta forma talvez sobrevivam.
Estes «artistas» não serão mais do que produtores de pornografia. Um olho bem desenhado que faça as pessoas dizerem «Tão bonito! Que artista que és!», é um olho que não é nada além do olho. Não é nada além da imagem. É pornográfico.
Vamos então definir o que significa ser artista. Claro que a maioria das regras têm exceção. E esta até tem exceções. Para a vossa excelência poder ter a informação digna sobre a sua categoria ou não de artista, siga os seguintes pontos:
  1. Não sejas parvo
  2. Não és artista
  3. Em caso de dúvidas, lê o ponto 1.

Tirando raras exceções, acho que esta será uma boa forma de nos conhecermos um pouco melhor, pelo menos artisticamente.
Talvez um dia vos dê o privilégio de desenvolver sobre este assunto… Falando mesmo a sério, acho que isso não vai acontecer. Mas podem-se iludir. Deixo um vídeo onde uma das poucas artistas que existe fala sobre o tema.

Bem… Talvez um dia venha dizer porque a maior parte dos pintores renascentistas não foi, de facto, artista… Ou talvez não… A Marina explica no vídeo isso melhor do que me apetece escrever.

Abraão

quarta-feira, 8 de março de 2017

O Guitarrista - Episódio 1

Para aqueles que não sabem, uma das minhas obsessões é a guitarra (mais exatamente a comumente chamada guitarra clássica, ou violão no Brasil). Todas as temáticas envolvendo o instrumento, geralmente, interessam-me. Por tal razão poderá vir a ser normal escrever regularmente sobre tais assuntos.
Queria dar a conhecer-vos, leitores, quiçá entusiastas do instrumento, algumas obras que eu considero interessantes no sentido de serem obras compostas tendo em mente o instrumento em si; obras que fazem uso das caraterísticas talvez menos exploradas no passado, e, por isso, obras contemporâneas, ou com alguma espécie de inventividade ou genialidade. Tentarei ser o mais heterogéneo possível no que diz respeito aos compositores das peças, para também não aborrecer ninguém com posts sobre sempre o mesmo compositor. (Mas tenho a dizer que ando numa fase altamente obsessiva, há já uns quantos meses, em que a maioria das peças que leio e toco foram compostas por Roland Dyens, um grande compositor, instrumentista, performancer, e uma das pessoas que, na minha opinião, explorou o instrumento de uma forma genial. De vez em quando tento intercalar com peças de outros compositores porque, para os que não conhecem, Roland Dyens é extremamente exigente, o nível de dificuldade das obras digo; mas admito que essa é talvez uma das razões pelo qual me atrai tanto o repertório de Dyens, mas não a única claro. Em termos estritamente académicos as peças deste compositor são um universo autêntico, não há dúvidas do quanto ele sabia sobre o assunto, e mais importante, a forma de aplicar o seu conhecimento; sim, sem dúvida de que ele sabia fazê-lo. E as transcrições que ele fez sobre um conjunto tão diverso de músicas de diferentes estilos são simplesmente maravilhosas. Mas divago, é melhor fechar os parênteses, irei falar sobre estas coisas nas alturas devidas).
Bem, já que comecei por falar sobre Dyens, a primeira peça que vos trago é de sua autoria. Um tema original dele chamado "Tango en Skai", tocado pelo próprio no vídeo desse link. Começo por esta porque foi também por esta que fui apresentado e iniciado à obra musical de Roland Dyens. É, portanto, um tango, conceito original da Argentina, nascido, como tudo, da miscibilidade da diferença entre algo e outro algo, neste caso, das diferentes danças e estilos existentes em determinada altura na Argentina. Escrevo isto porque é interessante verificar que este compositor, nascido na Tunísia, mas de família francesa, e que de resto passou grande parte da sua vida em Paris, é de uma versatilidade enorme, tendo compondo sobre os mais variados estilos e feitios. Mas o importante é que se nota, em alguns casos, a mistura que ele próprio faz desses estilos de diferente natureza, criando algo que é essencialmente e intrínsecamente desigual relativamente à sua origem; no fundo é esta a essência da criação artística.
Falar sobre música, especialmente falar sobre temas musicais, é sempre muito redutor, pelo que aconselho simplesmente a ouvir a peça e, se tiverem curiosidade, a ouvir o resto do repertório de Roland Dyens. De qualquer das formas de certeza que esta não será a única obra que irei referir.
Num próximo post irei trazer um outro tema musical guiarrístico; irei tentar fazer estes posts sobre a guitarra e a música com alguma regularidade, mas sem promessas; divirtam-se

quinta-feira, 2 de março de 2017

Snapchat #2

Hoje trago-vos a rubrica semanal de Abraão, que é bem mais terrena do que poderíamos imaginar. Espero que desculpem os estrangeirismos do escritor, mas dado o contexto são totalmente justificáveis. Deixo-vos então Abraão com a sua Rubrica Semanal.

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Com que então o Snapchat vai para a bolsa… Eu, que só não estou no auge da minha ignorância bolsista porque considero que isto (seja lá o que isto for) ainda pode piorar, pergunto: não é a Snap Inc. que vai entrar na bolsa? O Snapchat é um produto, não uma empresa… Começa bem…
Vamos então analisar esta prostituição, que só não o é, porque esta juventude não ganha dinheiro.
Eu inscrevo-me numa rede social. Ponho lá umas fotos todas nices para parecer bem. Eu nem ligo muito àquilo, mas não quero que as pessoas que nunca irão falar comigo pensem que eu tenho o real aspeto que tenho. Isso seria intrinsecamente amoral… Vamos então pôr aqui uns óculos escuros, arranjar um filtro à maneira e ‘tá top. Nada de exageros. Tenho mais que fazer da vida.
Mas o que se passou? Só tenho 15 likes em 32 minutos? Não percebo… Mas eu nem ligo muito a isto, por isso é-me indiferente. Vamos seguir em frente, que ainda temos muitas fotos por tirar e muitos momentos para fotografar para que um dia, quando formos velhos comunistas, possamos mostrar às pessoas do centro de saúde, que esperam por ser atendidos devido a uma gripe, que vão estar tão desinteressadas em vê-las, quanto nós a viver o momento que fotografamos.
Bem, aqui estou eu, vivendo a vida que vivo, indo de vez em quando pondo a malta a par do que faço na tal rede social, quase socialista. Só para que eles não se percam na minha prezada vida de idiota.
Onde íamos? Ah, sim, a entrada do «Snapchat» no mercado… Com que então cada usuário ativo do Snapchat representou 1,06 dólares num trimestre qualquer… E no facebook, nesse trimestre, representou 4,83 dólares… Like nisso…
Vamos a contas: 4,83/3/30,5/24=0,0022 dólares. Não vou explicar este cálculo. Nem vou refletir criptograficamente sobre ele. Afinal, não explico explicações.
Resumindo: vendemos o prazer que achamos dar aos outros de dar prazer aos outros de nos darem prazer por partilharmos a nossa estupidez. Perdemos tempo, vida, inteligência, e os outros, os que mandam nos canais pelos quais nos pornografamos, ainda ganham o que ganham connosco. Ou convosco.
Pelo sim pelo não, vou ali tirar um snap para enviar à Mariazinha. Vou demorar. O meu ar de espanto é difícil de parecer natural. Porque será…
Isto é suposto ser um post literário? O Kinch que vá dar uma volta ao cemitério. E que aproveite para tirar uma foto para substituir a do facebook.

Abraão

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(Nota: Em resposta ao último comentário no texto de Abraão, eu (Kinch) já troquei a foto do facebook uma vez (e já acho que foi uma vez a mais), penso que ainda aguenta mais uns anos. Talvez na próxima fotografia esteja eu há caça de pokemons lá pelo cemitério, dizem que tem muitos do tipo fantasma).

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

"Novo" Livro de Walt Whitman

Há uns dias foi anunciada uma descoberta de um romance de Walt Whitman, o autor mais conhecido pela sua poesia em forma de verso livre "Leaves of Grass". De facto a obra do autor não é muito extensa, não tendo publicado muitos livros, ou pelo menos que o público soubesse que eram dele. Descobre-se então este romance, de título "Life and Adventures of Jack Engle", publicado no início da carreira de Whitman, sob um pseudónimo, num jornal americano. 
Não é a primeira vez que é descoberta uma obra dele sob um pseudónimo, e acredito que haja mais por aí. Parece que Whitman gostava de experimentar e exprimir os seus pensamentos no anonimato, como muita gente compreenderá, ainda para mais aqueles que escrevem em blogues também anonimamente como este vosso 'blogger' (ainda que muito principiante). 
De facto a anonimidade é algo muito apetecível, dá-nos outro tipo de liberdade, e certamente que Whitman a soube aproveitar, visto que foi através de tais experiências usando a obscuridade do pseudónimo que encontrou a sua voz e escreveu a grande obra "Leaves of Grass". Dá-nos certamente uma outra perspectiva do escritor, não tanto como aquela pessoa experimentada, madura, plena e multitudinária que conhecemos da sua magnum opus, mas sim um jovem autor em procura do seu estilo. Acho fascinante pensar isto de Whitman, traz algum conforto ver que ele próprio não queria que o público soubesse dos seus trabalhos mais iniciais. Como ele próprio disse, "My serious wish were to have all those crude and boyish pieces quietly dropp'd in oblivion" (em 1882, falando claro das obras até então conhecidas e atribuídas ao próprio), e pelos vistos parece que bem tentou, mas há sempre um chato de um estudioso literário que lá desenterra estas coisas...

Deixo-vos um artigo num jornal americano que fala sobre isto: Artigo sobre o livro de Whitman;
E ainda o livro "Life and Adventures of Jack Engle" que já foi publicado, desta vez com o nome real do autor, e está livre de ser lido por quem assim o entender (eu próprio ainda não li mas como é pequeno talvez dê uma olhadela).

Apresentação às Funções #1

É com muito gosto que este blogue publica o primeiro texto de Abraão (pseudónimo), o escritor de quem tinha já falado numa anterior publicação. Ele irá trazer-nos uma rubrica semanal de temáticas diversas. Quando lhe perguntei como seria a melhor forma de se descrever ele respondeu, e passo a citar, "Eu não gosto de formalidades. Nem gosto de seguir uma linha fixa na minha forma de pensar e de escrever. Nem gosto de ser obrigado a escrever 'posts' de conteúdo literário e por isso nunca o farei". Acho que podemos ficar ansiosos pelos textos de Abraão, entretanto, fiquem com o primeiro.

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Perdoem-me! Perdoem-me! Eu tentei! Eu tentei! Eu tentei… Como é que isto aconteceu?... Ele tinha-me prometido! Ele ia contar… Quantos eram? Cinquenta? Não… Não… Eram dez! Ele ia contar dez! Ele tinha-me prometido que ia contar! Não eram cinquenta! Eram dez! Perdoem-me… Eram… Eram dez… Nós tínhamos, aqui mesmo, neste mesmo sítio, aqui onde estamos a falar… Nós tínhamos falado… Ele olhou-me nos olhos e prometeu-me… Ele ia contar dez… Agora só resta fumo e cinzas… Fumo e cinzas… Não… O que eu fiz… Eu devia… Não… Perdoem-me… Mas eu tentei… Dez! Tanto fumo… Ele tinha-me prometido que ia contar até dez… Um, dois, três, quatro… Como? Um sonho! Sim, de certeza que isto é um sonho! Ele jamais faria uma coisa dessas! Muito menos… Muito menos depois de me ter prometido! Ele prometeu-me! Aqui mesmo! Ele prometeu-me que ia contar dez! Por isso… Por isso é claro que isto é um sonho! Jamais… Tanto fumo… Jamais eu e a mulher entregaríamos a nossa vida a alguém tão… Tão maléfico… Tão vingativo… Tão… Tão humano… Já mais! Por isso, tudo isto só pode ser um sonho! Vamos rir! Vamos rir! Estas cinzas… Este fumo… Uma mera ilusão… Um sonho… Não… Eu não o devia ter confrontado… Eu não devia ter-lhe tentado chamar à razão… Eu… Mas o que podia eu ter feito? Julguem-me! Julguem-me! Matem-me! Mas eu não soube como agir… Nunca pensei… Mas ele era tão justo… Não! Como é que ele me pode fazer isto! Como é que ele pode fazer-lhe isto! Eles estavam inocentes! Ele ia contar dez! Como é que um ser pode ser tão diabólico!! Tão… Tão HUMANO!...

E agora? O que há a fazer… E vejo tanto fumo… Agora… Agora… Agora vamos fingir. Vamos fingir que este fumo não existe… Tudo isto não se passou. E eu e a mulher teremos um filho! Sim! Um filho! Custa a acreditar, não é?! Mas ele prometeu! E… E ele cumpre sempre a palavra, certo? E… E seremos uma família feliz, como todas as outras…

Ele prometeu… Eles talvez fossem culpados… Talvez merecessem… Sim… Sim. Eles mereceram! Ele prometeu-me! A mim! Nos meus olhos! Eles deviam morrer! Agora… Agora são cinzas… Sim… Ele foi justo.

Abraão