quinta-feira, 6 de abril de 2017

A comédia de Kafka

Achei imensa piada ao ler hoje um ensaio de David Foster Wallace sobre o escritor Franz Kafka, publicado numa revista americana em 1998, onde ele conta a grande dificuldade que tem em explicar a alunos universitários o pormenor cómico-humorístico dos textos de Kafka, em especial os contos e short-storys. (Eu só li "A Metamorfose" de Kafka, mas agora fiquei com vontade de ler mais contos dele, já queria ter lido outros livros, como "O Processo", porque a ideia do absurdo na escrita de Kafka atrai-me bastante, e agora com esta nova perspetiva que Wallace nos dá a vontade cresceu ainda mais).

Wallace retrata Kafka como um escritor que exibe um tipo de humor nos seus textos que os alunos não reconhecem como tal, pois não se encaixa nos trocadilhos de palavras ou piadas rápidas (wisecracks) ou humor que recorre a funções corporais nem cenas de teor sexual ou com implicações sexuais nem usa personagens ocas estandardizadas (clichês) prontas para serem ridicularizadas, pelo contrário, as figuras são absurdas, assustadoras e tristes. Ele desenvolve mais sobre o tema no ensaio, passando também por nos dar uma visão de como é que nós vemos o humor, a forma como para acharmos piada a algo temos de encontrar algum sentido ou "perceber" a piada.

Um excerto do ensaio: "No wonder they cannot appreciate the really central Kafka joke - that the horrific struggle to establish a human self results in a self whose humanity is inseparable from that horrific struggle."

Achei essa parte muito interessante, parece-me que descreve bastante bem a nossa condição de vida. Mas voltando à tentativa de explorar os textos de Kafka com alunos universitários, Wallace diz que começa por lhes fazer ver que a graça ou "engraçadez" (funniness... como a língua inglesa dá para criar tanta palavra bastando juntar um sufixo qualquer; é tão livre e fluida, e depois tentamos passar para o português e dá naquilo...)  está na "literalização" de verdades que tratamos por metáforas, ou, comédia por metáforas literais. (Às vezes gostava de ter aulas de literatura numa faculdade de letras). E Wallace diz que nesta altura eles começam a ficar mais engajados no assunto, mas que este tipo de estratégia não chega para lhes fazer ver ou sentir a grande centralidade da comédia de Kafka. Enfim, achei este ensaio deveras interessante, leiam-no, não é muito comprido e lê-se bem. E as notas (tão típicas do autor) são pedaços de texto realmente muito bons, é incrível como ele as usa para escrever coisas tão relevantes e cheias de significado. E não são só relevantes e significativas, podem ser também muito engraçadas (muito à maneira de Kafka talvez), como por exemplo numa parte em que ele identifica a ironia que Kafka sentiria se soubesse que os seus textos estivessem a ser altamente escrutinados e analisados pela grande máquina crítica literária do mundo intelectual universitário, que seria o equivalente a destruir as pétalas de uma rosa e analisar a mistura num espetrómetro para determinar o porquê dela cheirar tão bem, e depois complementa numa nota que uma teoria à estudante literário de mestrado ou doutoramento poderia ser a tese de que o aroma da rosa é simplesmente uma ilusão imaginada por nós. Caso para reafirmar, adorava passar uma temporada numa faculdade de letras, deve ser tão divertido.

Deixo-vos aqui o ensaio, divirtam-se: "Laughing with Kafka"

Sem comentários:

Enviar um comentário