domingo, 30 de abril de 2017

Sobre Comédia #9

Aqui está mais um post de Abraão, desta vez sobre comédia. Tema decerto controverso, e que dá azo a bastante discussão, mas que, em última análise, depende sempre do gosto e humor da pessoa.

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Sou muito seletivo quanto à comédia. Só gosto de comédia a sério. Vá, também gosto das minhas piadas… Até já as aponto para um dia mais tarde me voltar a rir quando as reler. Mas voltando à comédia. Não é um pseudo-comediante que mais não faz do que reciclar piadas que me irá fazer rir. Não vou estar aqui a dizer nomes, até porque seria uma longa lista de quase todos os «comediantes». 



Não digo que essas pessoas não digam alguma piada de vez em quando. Eles dizem tanta coisa que acaba por sair algo decente «quando o rei faz anos». É estatístico. É também triste ver como alguns precisam de fazer as piadas fáceis e óbvias para fazerem rir. Piadas sexuais, piadas com famosos, piadas de cariz fecal… É natural fazer comédia com estes temas, pois fazem parte da nossa vida. Mas sem exageros… Um verdadeiro comediante vê-se pela capacidade de saber dizer o que mais ninguém foi capaz de magicar. Pela capacidade de fugir ao rotineiro e ao caminho percorrido por todos. Por outras palavras, um verdadeiro comediante é o artista. O que separa um comediante de um pseudo-comediante é o mesmo que separa um artista de um pseudo-artista.

Deixo dois links de vídeos de dois verdadeiros comediantes:

Para futuras pesquisas:

Abraão Esteves

sábado, 29 de abril de 2017

O Guitarrista - Episódio 2

Finalmente resolvi trazer-vos o segundo episódio desta série. Como tinha dito no primeiro episódio, o principal objetivo é dar-vos a conhecer obras contemporâneas de guitarra clássica, e, por consequência, dar também a conhecer os compositores das mesmas.

A ideia original era apresentar uma obra por episódio, mas neste trago-vos 3 peças, até porque acho que as músicas estão relacionadas entre si. São todas do mesmo compositor, chamado Dušan Bogdanović, nascido na (já não existente) Jugoslávia, e que compõe, não só para guitarra, mas também para diversos instrumentos, sendo que algumas composições são para guitarra acompanhada por algum outro instrumento. Grande parte da obra deste compositor incorpora motivos e ritmos da sua terra natal, a região dos Bálcãs, assim como elementos jazzísticos e clássicos. É, no fundo, música de fusão, muito própria do compositor, e algo que eu não tenho conseguido encontrar em mais peças de outros músicos. Pode ser difícil de ouvir para alguém que não está habituado, porque ele usa (e, às vezes, abusa) do contraponto e do polirrítmico. São músicas muito trabalhadas e muito divertidas de seguir em conjunto com as partituras.

As peças são "Jazz Sonatina" (3 movimentos), "Monk-a-Ning" e "Steps to Hell and Back". As duas últimas estão no mesmo vídeo, interpretadas por Thibault Cauvin (um instrumentista e também compositor francês, em que grande parte do repertório que toca, de peças de outros compositores, são músicas contemporâneas (jazz, música étnica, rock) e onde se incluem várias peças de Roland Dyens, o compositor sobre quem falei no primeiro episódio desta série). São, as 3 peças, composições predominantemente de jazz, sendo que na primeira ("Jazz Sonatina") consegue-se identificar elemento étnicos, muito presentes na obra do compositor. Essa primeira é um vídeo com as partituras e o áudio sincronizados para podermos seguir a música à medida que vamos lendo as pautas. As outras duas são pequenas peças praticamente de puro jazz. O título da segunda, "Monk-a-Ning", é uma referência à música "Ryhthm a Ning" do grande pianista Thelonious Monk, e se alguém tiver curiosidade de ouvir basta clicar no nome da peça.

Aconselho, claro, a ouvirem mais peças do Bogdanović, e a tentarem tocá-las (para aqueles que tocam o instrumento). Eu comecei a ler a "Jazz Sonatina" e a tentar tocá-la há uns tempos mas não a cheguei a concluir. São todas peças muito exigentes a nível técnico, mas a "Monk-a-Ning" toco-a toda, e sentimos sempre um enorme sentimento de sucesso quando dominamos este tipo de peças. Bem, divirtam-se então a ouvi-las e a procurarem mais. Até ao próximo episódio guitarrístico (vou tentar que seja mais regular, mas mais uma vez, sem promessas).

O Regresso

Antes de mais queria pedir desculpa aos nossos leitores (que não devem ser muitos) pela interrupção dos posts. Queria só mesmo dizer que estamos de volta para apresentar mais conteúdos de qualidade (ou não...) e que daqui a bocado vou publicar o segundo episódio guitarrístico. Também já tenho o texto de Abraão, que vou publicar também ainda hoje. Krill também me garantiu que me há-de enviar um outro texto dele.
E por falar em Krill, ontem estive com ele e com Abraão a ouvir um mini concerto, e presenciei um momento épico protagonizado por Krill que merece ser contado no mesmo tom, pelo que estou a pensar fazer ou um poema ou um texto de propósito sobre a situação (provavelmente vai ser um poema). Talvez ainda hoje o publique, fiquem à espera.

sábado, 15 de abril de 2017

Mais um filme de aliens #8

O texto de Abraão Esteves desta semana é uma crítica ao filme "Vida Inteligente" ("Life", título em inglês) e onde ele aproveita também para mandar uma boca ao DiCaprio devido ao filme que lhe deu o Óscar o ano passado. Aproveitem que não é todos os dias que temos cá críticas cinéfilas.

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Depois de tantos anos de criações artísticas e «artísticas», compreendo a enorme dificuldade que exista em criar coisas novas. Não deve ser nada fácil conseguir pensar, por exemplo, num guião para um novo filme sem haver, seja o que for, que não tenha sido já feito. Compreendo perfeitamente isso. Mas o filme «Vida Inteligente» é um exagero…
Sem ver o filme, já estava a pensar: eles encontram um bicho novo, o bicho vai querer comê-los e no fim vamos ficar todos condenados. E, com mais um ou outro pormenor, é assim que se resume o filme. Não foi criado nada de novo, não foi apresentado nada num formato mais interessante, não foi nada projetado de uma forma inovadora. Nada. É apenas uma versão menos interessante do «Alien»… Vá, tem um extra: usam dois tipos de lágrimas. Num dos tipos, sem gravidade, a gota segregada pela glândula lacrimal sai do olho para andar ali às voltas pela nave. Um outro tipo, sem gravidade, a gota escorre pela cara. Isto é que foi uma cena inesperada. Enfim, só tirava do filme as cenas que eram suposto serem as cenas mais «artísticas» e que não passaram de um clichê mal produzido, ou seja, quase tudo…

Já estou a imaginar. Daqui a 10 anos um filme a sair que vai ser uma versão mais desinteressante ainda que o «Revenant». Vai-se chamar «O Homem com Raiva». O ator que vai ficar com o papel principal vai passar 1h numa floresta aos berros. Vai gritar tanto, gemer tanto, fazer tantas caretas, que no fim vai parir um bebé. Daqui a 20 anos, vai ser «O indivíduo que gritava com a floresta». Vai ser a história de um homem que pensava que o sentido da vida era gritar. Para ser diferente, neste vai dar à luz um cão, que vai passar a ser o seu companheiro. No fim o cão morre só para as pessoas chorarem. Fim.

Abraão Esteves

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Pensamentos de um alguém

Sinto algo a emergir no espírito,
Algo tão leve
E misterioso.
Não reconheço este éter invasivo,
Energia fugaz
E turva.
Mas espera, a tépida sensação
Parece querer falar-me, discutir
E explicar a sua natureza.
Hesito, não sei o que esperar,
Algo que não consigo qualificar,
Algo não tangente, algo etéreo,
A querer falar comigo?
Como tal poderá ser possível?,
Pergunto-me.
Ela não fala como nós humanos,
Mas eu percebo-te na mesma,
Ele conta agora um mundo imaginário,
Cheio de maravilhas e dá ideia de ser isso mesmo,
Um imaginário utópico.
Duvido dele. Duvido dela.
O puro ser assegura-me de que é o caso,
Sem corpos nem limites materiais a bloquear
O nosso potencial, foi possível, diz ela,
Elevar o espírito sem restrições a um plano,
Digamos, celestial, isto é, o mais elevado.
Conta-me ele que foi um ser igual a mim,
Limitado materialmente pelo tangível,
Pelo quantitativo.
Ela ainda me conta acerca da eternidade do ser,
Criada pelas relações com outros espíritos.
Sim, diz ele, só com as relações entre seres podemos
Ser verdadeiramente livres, isto é, libertos da dimensão temporal.
O eterno nada é mais do que o prolongamento da memória,
Memória essa que tem de ser a coletiva, não a individual,
O indivíduo não é nada sem o outro, sem a relação com aquele
Que vive o seu tempo com ele.
Como te livraste das correntes então, tu que és um ser mágico?
De mágica nada tenho, diz-me ele,
Sou irreal para ti, mas não sou ilusão,
Garanto-te.
Quanto à tua pergunta tenho a dizer que não te posso ajudar, diz-me ela.
A voz fica cada vez mais frouxa com cada palavra não dita,
Pois eu não ouço a voz, mas sinto-a e percebo-a.
Como?, não sei.
As palavras quase que ecoam na mente, esmorecem.
Sinto-a a ir-se embora, mas eu não quero que fujas.
Mas tu és livre, mais livre do que eu aparentemente.
Mais livre que a natureza talvez, ou talvez sejas a personificação da
Natureza. Sim, aquilo que me disseste das relações, não há sítio terrestre
Onde encontremos mais relações do que na natureza. Ela é livre,
Assim como tu és livre.
Mas não faço eu parte da natureza? Se calhar não.
Talvez um dia tenha feito, porque houve uma altura em que me senti livre.
Fui secretamente expulso da natureza, não sou mais parte integrante desse
Imaginário utópico onde reina a liberdade.
É essa a questão? Deve ser essa a questão.
Como voltar para a natureza, só pode ser isso de que a voz falava,
Sim estou certo que sim. Mas não vale a pena, agora estou preso no mundo,
Acorrentado à vida. Espera, talvez seja isso! A morte!
Sim, a morte é a chave deste calabouço.
Não vale a pena ter medo, pois a morte faz parte da natureza, é a dualidade vida e morte
Que dá, talvez, possivelmente, sentido à existência. Um dos dois não tem significado, se      o outro
Não existir.
A vida justifica a morte, e a morte justifica a vida. Um é o outro, e vice-versa.
É isso que define o ciclo eterno existente na natureza. Para vivermos temos inevitavelmente de morrer, e para morrermos temos indiscutivelmente de viver.
Mas já não sei que pensar, a entidade desorientou-me de tal maneira que me deixou a pensar em coisas destas.
Não se faz.
Se ela me vier chatear de novo já lhe digo.

sábado, 8 de abril de 2017

Uma dedada #7

Chega-nos mais uma publicação de Abraão Esteves, um texto curto mas algo muito à Abraão. (Disclaimer: a palavra "escravamente", que se encontra na publicação, parece que não existe na nossa língua, mas Abraão fez questão de me dizer para não alterar, ele escreveu-a mesmo de propósito.)

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Esta manhã, estava eu a colocar os meus óculos escuros antes de sair de casa, quando aconteceu algo que eu não previa: toquei com um dedo numa das lentes. Bem, eu não percebo nada do assunto, mas, por alguma razão, é-me difícil tirar a marca dos dedos das lentes daqueles óculos… Por isso o meu primeiro pensamento, após esse incidente, foi: o pior que me pode acontecer é sujar as lentes dos meus óculos escuros… Há pouco tempo houve um atentado na Rússia. Também houve um em Inglaterra. Há um país que está a sofrer devido a umas cheias, sendo que ainda haverá de chover mais. Imensa gente está a morrer devido à fome. Outras pessoas estão a morrer por não terem acesso a água potável. Outras, estão a trabalhar escravamente para produzirem o chocolate que comemos. Alguns haverão de estar na prisão a sofrer pela falta de liberdade de expressão. Também haverá quem não esteja a conseguir dormir por não saber como irá alimentar os filhos até ao final do mês. Alguns haverão de estar à espera de um milagre para que se curem das suas doenças incuráveis. Mas não se preocupem. Apesar de ter tocado na lente, não ficou marca nenhuma. Pude sair de casa e ir para a faculdade em paz.

Abraão Esteves

quinta-feira, 6 de abril de 2017

A comédia de Kafka

Achei imensa piada ao ler hoje um ensaio de David Foster Wallace sobre o escritor Franz Kafka, publicado numa revista americana em 1998, onde ele conta a grande dificuldade que tem em explicar a alunos universitários o pormenor cómico-humorístico dos textos de Kafka, em especial os contos e short-storys. (Eu só li "A Metamorfose" de Kafka, mas agora fiquei com vontade de ler mais contos dele, já queria ter lido outros livros, como "O Processo", porque a ideia do absurdo na escrita de Kafka atrai-me bastante, e agora com esta nova perspetiva que Wallace nos dá a vontade cresceu ainda mais).

Wallace retrata Kafka como um escritor que exibe um tipo de humor nos seus textos que os alunos não reconhecem como tal, pois não se encaixa nos trocadilhos de palavras ou piadas rápidas (wisecracks) ou humor que recorre a funções corporais nem cenas de teor sexual ou com implicações sexuais nem usa personagens ocas estandardizadas (clichês) prontas para serem ridicularizadas, pelo contrário, as figuras são absurdas, assustadoras e tristes. Ele desenvolve mais sobre o tema no ensaio, passando também por nos dar uma visão de como é que nós vemos o humor, a forma como para acharmos piada a algo temos de encontrar algum sentido ou "perceber" a piada.

Um excerto do ensaio: "No wonder they cannot appreciate the really central Kafka joke - that the horrific struggle to establish a human self results in a self whose humanity is inseparable from that horrific struggle."

Achei essa parte muito interessante, parece-me que descreve bastante bem a nossa condição de vida. Mas voltando à tentativa de explorar os textos de Kafka com alunos universitários, Wallace diz que começa por lhes fazer ver que a graça ou "engraçadez" (funniness... como a língua inglesa dá para criar tanta palavra bastando juntar um sufixo qualquer; é tão livre e fluida, e depois tentamos passar para o português e dá naquilo...)  está na "literalização" de verdades que tratamos por metáforas, ou, comédia por metáforas literais. (Às vezes gostava de ter aulas de literatura numa faculdade de letras). E Wallace diz que nesta altura eles começam a ficar mais engajados no assunto, mas que este tipo de estratégia não chega para lhes fazer ver ou sentir a grande centralidade da comédia de Kafka. Enfim, achei este ensaio deveras interessante, leiam-no, não é muito comprido e lê-se bem. E as notas (tão típicas do autor) são pedaços de texto realmente muito bons, é incrível como ele as usa para escrever coisas tão relevantes e cheias de significado. E não são só relevantes e significativas, podem ser também muito engraçadas (muito à maneira de Kafka talvez), como por exemplo numa parte em que ele identifica a ironia que Kafka sentiria se soubesse que os seus textos estivessem a ser altamente escrutinados e analisados pela grande máquina crítica literária do mundo intelectual universitário, que seria o equivalente a destruir as pétalas de uma rosa e analisar a mistura num espetrómetro para determinar o porquê dela cheirar tão bem, e depois complementa numa nota que uma teoria à estudante literário de mestrado ou doutoramento poderia ser a tese de que o aroma da rosa é simplesmente uma ilusão imaginada por nós. Caso para reafirmar, adorava passar uma temporada numa faculdade de letras, deve ser tão divertido.

Deixo-vos aqui o ensaio, divirtam-se: "Laughing with Kafka"