quinta-feira, 27 de julho de 2017

I. O Enterro dos Mortos

Abril é o mês mais cruel, criando
Lilases da terra morta, misturando
Memória e desejo, instigando
Raízes ressequidas com água da chuva.
O inverno manteve-nos quentes, tapando
A terra com neve cheia de esquecimento, alimentando
Um pouco de vida com tubérculos secos.
O verão surpreendeu-nos, chegando do Starnbergersee
Com uma cortina de chuva; parámos na colunata,
E fomos de encontro à luz do sol, entrando no Hofgarten,
E bebemos café, e falámos por uma hora.
Bin gar Keine Russin, stamm’ aus Litauen, echt deutsch.
E quando éramos crianças, quando estávamos na casa do arquiduque,
Do meu primo, ele levou-me num trenó,
E eu estava assustada. Ele disse, Marie,
Marie, segura-te bem. E lá fomos nós por ali abaixo.
Nas montanhas, aí sentes-te seguro,
Eu leio, grande parte da noite, e vou para sul no inverno.

Que raízes são que apertam, que ramos crescem
Deste entulho pedroso? Filho do homem,
Tu não podes dizer, ou adivinhar, pois só conheces
Um monte de imagens desconexas, onde o sol bate,
E a árvore morta não dá nenhum abrigo, o grilo nenhum alívio,
E a rocha seca nenhum som de água. Só
Existe sombra debaixo desta rocha vermelha,
(Vem para debaixo da sombra desta rocha vermelha),
E irei mostrar-te algo diferente de um destes,
Ou a tua sombra pela manhã caminhando atrás de ti
Ou a tua sombra pela tarde ascendendo para te encontrar;
Irei mostrar-te medo numa mão cheia de pó.

Frisch weht der Wind
Der Heimat zu,
Mein Irisch Kind,
Wo weilest du?

“Tu deste-me primeiro jacintos há um ano atrás;
“Eles chamavam-me a rapariga dos jacintos.”
– No entanto, quando voltamos, tarde, do jardim dos Jacintos,
Os teus braços cheios, e o teu cabelo molhado, eu não conseguia
Falar, e os meus olhos falhavam-me, eu não estava nem
Vivo ou morto, e eu não sabia nada,
Ao olhar para o coração da luz, o silêncio.

Od’ und ler das Meer.

Madame Sosostris, famosa clarividente,
Teve uma constipação do pior, todavia
É conhecida como sendo a mulher mais sábia na Europa,
Com um baralho de cartas tramado. Aqui, disse ela,
Está a sua carta, o Marinheiro Felício afogado,
(Aquelas são pérolas que foram os seus olhos. Veja!)
Aqui está a Belladonna, a Senhora das Rochas,
A senhora das situações.
Aqui está o homem das três varas, e aqui a Roda,
E aqui está o mercante de um só olho, e esta carta,
Que está branca, é algo que ele carrega nas suas costas,
Que estou proibida de ver. Não encontro
O Homem Enforcado. Tema a morte por água.
Vejo multidões de pessoas, andando às voltas num anel.
Obrigada. Se vir a querida Sra. Equitone,
Diga-lhe que eu própria levo o horóscopo:
Há que ser cuidadoso nos tempos que correm.

Cidade Irreal,
Sob a névoa castanha de um amanhecer do inverno,
Uma multidão fluiu sobre a Ponte de Londres, tantos,
Não tinha pensado que a morte tinha desfeito tantos.
Suspiros, curtos e infrequentes, eram exalados,
E cada homem fixava os seus olhos perante os seus pés.
Fluíram subindo pela encosta e descendo pela Rua King William,
Até onde a Santa Mary Woolnoth mantinha as horas
Com um som morto na badalada final das nove.
Aí vi um que conhecia, e parei-o, gritando: “Stetson!
“Tu que estiveste comigo nos navios em Mylae!
“Aquele morto que plantaste o ano passado no teu jardim,
“Já começou a brotar? Será que vai florir este ano?
“Ou a geada repentina perturbou a sua cama?
“Ó mantém o Cão longe daqui, esse é amigo para o homem,
“Ou com as suas unhas ele vai desenterrá-lo de novo!
“Tu! hypocrite lecteur! – mon semblable, – mon frère!”

[Tradução mais ou menos liberal da primeira parte do poema de T. S. Eliot "The Waste Land". O poema em si não tem um esquema rimático, mas apenas no princípio Eliot começa com umas quantas rimas que achei que fazia sentido mantê-las e por isso fiz o esforço. De resto, não traduzi no poema as partes em línguas diferentes do inglês porque penso fazer parte do esforço do escritor de criar algum desconforto e confusão no leitor ao ler o poema (atentem no último verso se não acreditam em mim). Também há uma parte em alemão que é literalmente copiada pelo Eliot da versão para ópera que Wagner escreveu e compôs da história de Tristão e Isolda (refiro-me às partes que estão em itálico) que se traduzem mais ou menos para: Fresco sopra o vento/ Para a pátria,/ Meu filho irlandês,/ Por onde andas?, e a última: O mar deserto e vazio. No início à ainda referências a dois sítios em Munique, o Starnbergersee - um lago, e o Hofgarten - um jardim. Logo a seguir o sujeito fala em alemão, dizendo mais ou menos o seguinte: Não sou russa, venho da Lituânia, verdadeira alemã (basicamente a dizer que é uma alemã pura, não deve gostar de ser confundida com russos apesar de vir da Lituânia). Também antes do final, na parte em que um homem se dirige a um outro, ele diz que o conhece de Mylae - isto é um porto algures em Itália. Ainda mesmo no final apanhamos um bocado de francês, e que é outra cópia, desta vez copiado de um verso dum poema de Baudelaire. Basicamente diz: - meu semelhante, - meu irmão! (e antes ainda diz que o leitor, portanto nós, somos hipócritas). Pronto, acho que de estrangeiradas é isso. Depois é claro, este poema não é fácil de apanhar todos os pormenores e se quiserem compreendê-lo bem devem ir procurar aí pela net algumas cenas. Eu nem tinha ideia de traduzir isto tudo, comecei pela quarta parte porque era a mais pequena e a mais simples, mas achei que seria um exercício muito interessante e profundo traduzir o resto. Vou tentar pelo menos. Aqui nesta primeira parte as coisas parecem estar assim um bocado confusas (penso que foi feito de propósito pelo Eliot) e se repararem existem 4 situações distintas, que estão mais ou menos separadas por uns espaços (na segunda secção desta parte temos os tais versos da ópera composta por Wagner que servem de interlúdio e conclusão a esta pequena secção). Bem, mas também não me vou alongar mais, é um poema bastante rico, isso podemos ver, não é? Não sei quando hei-de traduzir a segunda parte, mas estará para breve. Espero que gostem claro, senão gostarem digam.]

Atualização: Foi-me chamado à atenção, através de Abraão, alguns erros que tinha por aí no poema. Ele também me deu sugestões e, portanto, corrigi os erros e alterei uma ou outra coisa para ficar mais fiel ao original. Depois revi tudo de novo e encontrei mais uns erros pontuais. Espero que esteja melhor agora. Se alguém vir mais alguma coisa que não faça sentido (é porque provavelmente é um erro), ou quiser dizer algo sobre o poema, não hesite em deixar um comentário.

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